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Pokemon GO, Gamificação e o Jogador Doente



Introdução e discussão inicial

Se você está lendo este artigo você já ouviu falar do jogo que está tomando conta da vida rotineira das massas em todo o planeta chamado Pokémon GO da produtora de jogos Niantic em parceria com The Pokémon Company. Provavelmente você já tenha ouvido pessoas dizerem que o jogo é prejudicial pois quem joga está dominado por um mundo virtual, ou que você poderia ser assaltado, acabar entrando em um bairro ruim e, de novo, ser assaltado, ou até mesmo ser esfaqueado e inúmeras outras coisas (como encontrar um corpo em um rio ou atropelar duas pessoas enquanto dirigindo). Pode ser também que disseram à você que o jogo é muito bom pois ajuda combater a depressão, obesidade, fortalecer apoio social e melhorar alguns aspectos da saúde física pela atividade envolvida.


Fonte da Imagem

Em primeiro lugar, quero esclarecer que não estou aqui para retificar todas as controvérsias e polêmicas, carregando comigo todas as respostas e certezas sobre o uso deste jogo. Neste artigo vou tentar apenas trazer à luz conceitos de outros teóricos e pesquisadores, evidências por meio de relatos, e apenas um pouco da minha própria experiência jogando e observações de outros jogando.

Pokémon é algo conhecido há muito tempo e produziu fans de muitas idades no mundo todo; sua narrativa é bem conhecida, onde o respectivo estilo de vida demonstrado no seu universo faz parte das fantasias de muitas pessoas. Pokémon é conhecido em animes (uma espécie de desenho animado), jogos de carta, brinquedos, adesivos e outros jogos eletrônicos desde 1995 (os "monstros" já foram parte de propagandas e até mesmo já tomaram forma do mascote nacional do japão para a copa do mundo em 2014). Quando Pokémon GO foi anunciado, muitas pessoas já estavam motivadas a jogar não somente pelo nome da franquia mas pela ideia de poder vivenciar o estilo de vida de um "treinador de pokémons". Estes seriam os personagens nas histórias do Pokémon que capturam os "monstros", os usam para batalhar com outros "monstros", e assim fazem enquanto viajando pelo mundo visando ser o melhor treinador. Toquei neste assunto para que a febre do Pokémon GO seja entendida, pois existem outros jogos neste estilo (como Ingress da Niantic) que não tiveram sucesso em impactar o mundo tantquanto este (mas não foram amplamente divulgados como foi Pokémon GO).

Antes de mais, temos que entender do que se trata Pokémon GONeste jogo, os jogadores irão caminhar a pontos reais no mundo, onde estão os tais famosos Pokéstops, gerando equipamento virtual para o jogador alcançar determinados objetivos e também estarão caminhando em "círculos" (digo "círculos" pela minha experiência própria de designar rotas que rodeiam a vila onde moro, e também o processo de "procurar" os pokémons) no bairro ou na cidade para encontrar "monstros" que podem ser capturados. Pokémon GO é um jogo encontrado como aplicativo de celular que é categorizado como um jogo de estilo Realidade Aumentada. O termo Realidade Aumentada indica uma categoria de jogos que utilizam aspectos do nosso ambiente físico ou concreto em paralelo com uma interface de interação virtual para, os dois em conjunto, criar o jogo em qual o jogador interage com o mundo concreto e o mundo virtual ao mesmo tempo, ou que o mundo virtual depende do mundo concreto para seu desenvolvimento (como jogos que apenas usam a impressão de um tabuleiro em cima de uma mesa para a projeção do jogo no seu celular via a câmera). Não estou simplesmente esclarecendo o gênero do jogo como forma de etiqueta, mas sim porque entendê-lo é necessário para a compreensão de onde se encaixa um termo que irei usar muito: Gamificação. A compreensão deste conceito é essencial para entender do porque o Pokémon GO consegue fazer pessoas sedentárias, depressivas ou com ansiedade saírem para caminhar em pleno luz do dia perante toda civilização ao seu redor. Também explica por que podem acabar andando em lugares que, conscientemente, essas pessoas sabem que são perigosos. E por vezes explica do por que acabam fazendo coisas, que sem o jogo, seriam absurdas para elas em outras circunstâncias, como entrar dentro de uma igreja dar meia volta e sair.

'Gamificação' explicado


Jane McGonigal: Gaming can make a better world (TED) - Conteúdo complementar

O termo Gamificação vem da ideia de que podemos reinventar a interação de uma pessoa com uma atividade usando os princípios de games ou jogos eletrônicos (video games). Aqui vou citar de memória os princípios de jogos eletrônicos que são importantes para a gamificação usado pelo Pokémon GO. Um jogo eletrônico deve conter um objetivo e um ou mais obstáculos que impedem o jogador de alcançar este objetivo e, deve propiciar um ambiente desafiador e devidamente recompensador ao superar os obstáculos. Quando digo que o jogo deve propiciar um ambiente desafiador, estou entre linhas, eufemizando a importância disso. Um dos jogos mais bem sucedidos hoje em dia que transformou o cenário da produção de jogos foi o Dark Souls que era considerado o jogo mais difícil de sua época, sendo comparado com títulos antigos de fliperama (arcade) que eram praticamente impossíveis de vencer pois fariam com que os jogadores comprassem mais moedas para colocar nos fliperamas ao perder (pois eram divertidos de jogar, e haviam competições de pontuação). O que estou tentando dizer é provavelmente o contrário do que você iria imaginar. Um jogo extremamente difícil faria mais sucesso do que jogos mais fáceis de jogar? Sim e só um pouquinho de não, pois depende do nível de recompensa que vem após o desafio e o nível de dificuldade deve acompanhar a motivação do jogador para continuar jogando. Mas em teoria, podemos fazer pessoas desempenharem atividades de extrema dificuldade por meio destes princípios. Jane McGonigal (do TED acima) enfatiza isso em seu livro Reality is Broken trazendo vários exemplos, como o de pessoas que conseguiram achar desvios de fundos no parlamento do Reino Unido por meio de um jogo feito pelo jornal The Guardian, chamado Investigate your MP.


"Prepare-se para morrer de novo" Dark Souls - Representação do lema oficial de Dark Souls: "Prepare to die" (Fonte)

Antes que me perca aqui e acabe fazendo uma resenha do livro da Jane McGonigal, vamos voltar a falar de Pokémon GO. Se eu te dissesse que para ir para a casa do seu amigo que mora do outro lado da cidade você terá de ir a pé, você iria? Talvez não, a não ser que você seja uma pessoa extraordinariamente "fitness" ou ecologicamente correta (ou você é uma pessoa maluca mesmo). Mas se eu disser que ao caminhar 10 quilômetros você iria ganhar um ingresso sem prazo de vencimento para ver qualquer filme de sua escolha, a probabilidade de você fazer a jornada atravessando a cidade é muito maior. Isso vai depender de quanto a recompensa tem valor para você. Jane McGonigal defende que não deve-se recompensar pessoas com coisas materiais (como dinheiro) para desempenhar as atividades gamificadas, caso contrário as pessoas só participarão em vista da recompensa material; ela diz ser vital que o reforço ou a recompensa seja emocional. Apesar da McGonigal dizer isso, vamos retornar ao exemplo do ingresso para o cinema. A atividade desempenhada que seria atravessar a cidade andando, em ambas circunstâncias onde você ganharia algo em retorno ou não ganharia, não mudou. Nos dois cenários você terá de caminhar a mesma distância fazendo o mesmo esforço, mas algo mudou na forma que você percebeu a atividade, deixando-a menos mundano e mais divertido, especialmente se alguém colocar o ingresso do filme nas suas mãos e lhe parabenizar por ter caminhado 10 quilômetros. A palavra chave aqui é "motivação"; as pessoas são motivadas a saírem da sua rotina, a fazerem coisas fora do costume e conquistarem desafios.

Dentro de um jogo existem mais reforçadores. Um dos fatores que gera reforçadores é a narrativa do jogo. O protagonista (o jogador) será inserido dentro de uma narrativa, onde possivelmente desempenhará um papel importante no universo onde acontece o jogo (Mass Effect é um jogo evidentemente forte neste quesito, fazendo do jogador o salvador da nossa galáxia). Os efeitos de jogar um jogo extremamente emocionalmente gratificante será discutido em outro artigo, mas garanto que você se surpreenderia com os resultados de algumas pesquisas neste tema.


Então já que entendemos o básico do conceito de gamificação, irei trazer a análise dos pontos de gamificação mais fortes no Pokémon GO. Na minha análise vejo que as seguintes atividades são gamificadas: caminhar, olhar para o celular, e a criatividade (a socialização também é um aspecto indiretamente gamificado). Quando digo que olhar para o celular é gamificado (apesar de ser uma forma inadequada de usar o termo), estou implicando que o jogo recompensa aqueles que estão prestando atenção para a tela do celular (pois facilita deduzir o local dos "monstros" e ver quando há possibilidade de utilizar os Pokéstops e tomar Ginásios pokémon), quando a mecânica do jogo poderia ser feita de uma forma diferenciada (como podemos ver com o uso do Pokémon GO Plus). A criatividade é reforçada pois, como o jogo não está limitado ao mundo virtual, existem muitas formas de tentar circundar as regras ou até mesmo fazer proveito das regras (como pessoas amarrando o celular em seus cachorros e deixando eles correrem livres contando a quilometragem para obter maior pontuação ou outras pessoas criando estratégias para dominar os ginásios pokémon). Quando usei o exemplo de atravessar a cidade caminhando, o caminhar sendo o aspecto gamificado, não estava exagerando, pois eu mesmo caminhei em um sábado aproximadamente 13 quilômetros enquanto jogava. Mas entenda que eu estava usando o jogo para substituir o transporte público pois havia um compromisso para aquele dia no destino da caminhada. A seguir vou trazer estes aspectos para uma análise de suas partes no que tange formas patológicas do uso deste jogo e possíveis benefícios de seu uso.

O jogar patológico

Quando falo sobre patologia, irei usar o conceito da categorização do patológico pela funcionalidade de indivíduos, ou seja, o patológico é determinado onde indivíduos se tornam disfuncionais, assim comprometendo a saúde social, física ou mental (incluindo psíquica) dos mesmos ou de outros. Isso se evoca plenamente no que Mike Langlois diz respeito ao uso patológico de jogos eletrônicos. Mike Langlois em seu livro Reset: Video Games & Psychotherapy, que fala sobre jogos eletrônicos e o encontro destes com psicoterapia, diz respeito ao uso patológico de jogos eletrônicos e nos dá algumas dicas de como equilibrar esse estilo de vida. O critério central para a caracterização do uso patológico de jogos eletrônicos que ele apresenta em seu livro é a que segue: Um indivíduo não pode fazer uso de jogos eletrônicos em detrimento do mundo material, como comprometer a saúde, relacionamentos, responsabilidades com o emprego ou os estudos. Langlois defende que o uso de jogos eletrônicos não precisa ser limitado por tempo se não infringe essa regra, mas para manejo dos pais em relação aos seus filhos com mais cuidado, sugere o tempo máximo de 3 à 4 horas por dia, porém enfatiza a necessidade das pessoas procurarem entender melhor a interação, de seus filhos com os jogos, antes de tomar alguma decisão. Em uma palestra gravada, disponível no blog do Langlois, surgiu o caso de uma criança que tem notas altas na escola, bons relacionamentos que ele mantêm também por meio de um jogo, e segundo o pai passa o "dia todo" no computador. Esta criança passa o dia jogando Minecraft (que se assemelha à LEGO) famoso por estimular a criatividade de crianças (e possivelmente ajuda diminuir sintomas depressivos e por hipótese estimula atenção plena). Mike Langlois diz ao pai desta criança que para moderar o tempo em qual a criança está no computador deve levar em consideração que o jogo pode estar beneficiando a criança até certo ponto, e que caso não estivesse jogando, quais seriam os hábitos dele? Simplesmente tirar da criança o jogo não ajudaria se não estivesse ocorrendo o uso patológico daquilo, e poderia ser prejudicial pela perda dos processos positivos ocorrendo com o uso do Minecraft.


Representação artística feita por um jogador dentro de Minecraft de uma cidade fictícia no Game of Thrones. (Fonte)

Pelo que podemos ver, não é fácil categorizar um jogo como algo maléfico para as pessoas (como no caso de Manhunt; uma polêmica para outro artigo). Com mais facilidade podemos observar quando a interação entre um indivíduo e um jogo eletrônico está inadequado e, consequentemente, patológico. Entendendo isso, não podemos dizer que sempre que alguém fizer uso de um jogo eletrônico alcançará resultados positivos ou negativos (com exceção de alguns aspectos como melhoras cognitivas visto nos estudos de Green e Bavelier), pois a interação entre jogo e indivíduo varia em cada caso (isto serve para jogos de entretenimento). Podemos medir a capacidade de benefício de um jogo e a capacidade de malefício, mas não podemos determinar previamente qual será a forma de interação das pessoas com o jogo sem conhecê-las.

Retornando ao Pokémon GO, tendo em mente a definição do uso patológico de jogos eletrônicos, quais aspectos deste jogo podemos analisar como incentivadores do conceito proposto por Mike Langlois? Lembrando um pouco dos aspectos gamificados, acho que já podemos ter uma ideia das possíveis combinações do mal uso deste jogo que poderiam ter causado as tragédias demonstradas nos links acima. A febre decorrente da história do Pokémon pode explicar um pouco do abuso inicial do jogo por algumas pessoas, mas por que estas não conseguem moderar o uso de jogos eletrônicos? Pelo meu entendimento do livro de Mike Langlois em conjunto com minhas próprias observações, o jogar patológico ocorre por falta de entender os processos que tanto os prendem ao jogo. Assim constato como uma forma geral de entender este fenômeno (também para não rotular as pessoas que usam de forma patológica os jogos), pois existem inúmeras possibilidades que levam ao uso patológico de jogos eletrônicos. Na compreensão do problema raiz que leva ao uso patológico (e o tratamento de tal problema) um indivíduo pode reduzir seu comportamento patológico no uso de jogos eletrônicos.

No que tange aos aspectos negativos do Pokémon GO podemos observar claramente que os produtores deste jogo estão recompensando uma combinação perigosa de coisas que podem causar acidentes muito desastrosos. Infelizmente, a solução para isto se encontra no comprar da pulseira interativa antes mencionada, chamada Pokémon GO Plus. Mesmo se este acessório demonstrar ser atraente o suficiente aos jogadores como facilitador dos mecanismos do jogo para não precisar estar com o celular em mãos o tempo todo, até que ponto isso ajudará?


Qual é o maior problema dos jogadores de Pokémon GO? O menor. Sim, o menor de idade. Toda franquia de Pokémon apela muito para o público de menores de idade, para ser específico, crianças. Eu não tenho autoridade, experiência ou amplo conhecimento no âmbito de cuidados com crianças, então farei apenas algumas sugestões. Por favor, vamos ter bom senso se somos responsáveis por algum menor de idade. Se você, leitor, é menor de idade, no máximo tente estar em grupo com outros amigos jogando durante o dia em lugares que seus pais dizem que são seguros. Eu especialmente recomendaria pais e filhos jogarem juntos quando possível. Eu gostaria de acreditar que os benefícios provindos do compartilhamento de uma atividade dessas entre pais e filhos podem ser vastos quando a criança nutre significado maior naquilo. E mesmo descartando os possíveis benefícios desse vínculo, tal convívio promove o manejo da interação da criança com o mundo dentro e fora do jogo. Não quero plantar terror nos leitores ao dizer as inúmeras possibilidades que podem acontecer andando pelas ruas da cidade (tanto porque não depende do jogo para acontecer), então direi apenas: tenha bom senso na hora de jogar, e isso se aplica a todos os jogadores, não somente menores de idade. Eu mesmo já vi um Omanyte no jogo durante a noite, fui para todos os lugares menos para onde sabia que era um lugar duvidoso de estar, então dei meia volta e desisti do Omanyte. Sim, foi bom senso desistir do Omanyte, mas teria sido melhor ainda se eu não estivesse jogando de noite!


Possíveis benefícios

Aqui serei breve, pois creio que já alcancei o meu objetivo para esta postagem. Por que coloquei "possíveis" no título deste trecho? Pois não existe pesquisa que possa confirmar se os tais dos benefícios que alguns noticiários dizem ser promovidos durante o uso do jogo são, de fato, promovidos na maioria dos casos (demonstrando correlação) que as pessoas usam Pokémon GO. Apesar disso, podemos fazer algumas inferências acerca dos benefícios reais do jogar Pokémon GO.

Primeiramente, vamos começar com o óbvio: sedentarismo. Creio que não precisaríamos uma pesquisa para encontrar uma correlação entre o uso do Pokémon GO e a redução do sedentarismo. Com a redução do sedentarismo vem muitos outros benefícios, lembrando, o caminhar (obesidade e diabetes tipo 2) é gamificado, e muitas vezes isso implica caminhar no sol (probabilidade inferior de ter deficiência de vitamina D para nós geeks). O exercício físico traz inúmeros benefícios, dos quais não me arriscarei em citar aqui, apesar que imagino que tais benefícios já integram uma base conceitual de senso comum entre nós. Quero lembrar aos leitores que os teóricos estão se baseando parcialmente em relatos de algumas pessoas que jogam ou jogavam Pokémon GO quando disseram sentir melhoras para suas condições patológicas de depressão e ansiedade social. Existem pessoas que dizem como fato que o Pokémon GO é um jogo feito para promover a saúde mental, como é o caso do autor do artigo citado acima (Dr. John Grohol). O que imagino que ele quis dizer quando falando do Pokémon GO como um jogo para promoção da saúde mental é que este jogo é mais propenso a promover saúde mental do que deteriorá-lo.


Time to GO

Espero que tenha gostado do artigo e que pude proporcionar um entendimento maior do uso do Pokémon GO. Reconheço que não aprofundei muito em alguns assuntos e por isso, caso permaneceram dúvidas, podem estar entrando em contato comigo por aquiLembre-se de usar o bom senso na "caçada" por pokémons!

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